quinta-feira, 21 de maio de 2020

Música e história - Parte dois

A quantidade de músicas que narram fatos históricos é imensa. Mas uma coisa interessante é: nem todas elas são assim percebidas, ou devido a sua complexidade, ou mesmo por serem subestimadas . Nesse post vamos falar de algumas dessas músicas, e descobrir riquezas em algumas letras, que talvez tenham passado abaixo do radar da  maioria dos ouvintes.

Abaixo do título das músicas, há links para que possa ouvir e conhecê-las. A sugestão é: caso não conheça a música, escute-a primeiro. Depois, leia a sua história,  e se possível, escute novamente, prestando atenção nos detalhes presentes na canção que fazem referência aos fatos que você acabou de ler.

Etiópia - Edson Gomes



Um fato histórico pouco conhecido, mas que foi musicado como forma de protesto por Edson Gomes, cantor de reggae baiano.           
Durante a década de 1930, as chamas da segunda guerra já estavam acesas, e o conflito era inevitável. A Alemanha nazista e Itália fascista eram aliadas. A liga das nações era o organismo resposável por manter a paz mundial, e mediar conflitos, mas falha no seu propósito. Um dos primeiros a manifestar no campo de batalha suas intenções agressivas foi Benito Mussolini, primeiro ministro da Itália. Em dois de outubro de 1935, ele marcha com seu exército poderoso contra a Etiópia, na África, com o objetivo de anexá-a a outras províncias italianas na região. Apesar da resistência, até surpeendente, dos etíopes, não havia como essa pobre nação impedir o rolo compressor fascista. Contra guerreiros que usavam um pouco mais do que lanças e cavalos, o exército da Itália avançou com tanques, metralhadoras, bombardeios aereos e armas químicas. Assim, com grande perda de vidas, militares e civis, a etiópia cai, o fascismo mostra sua a força, e o mundo fica em estado de suspense. Esse ataque de Mussolini, e a fraca atuação da liga das nações para puní-lo, acaba por dar mais coragem a Adolf Hitler, nas ações que tomaria a seguir, invadindo países, sem resistência ou punição por parte da liga. Por isso, muitos historiadores consideram essa invasão como parte da história da segunda guerra mundial, que começou oficialmente quatro anos depois. 
Edson Gomes, nessa canção, fala dessa luta desigual de lanças contra metralhadoras, mas também critica o fato de que quase nada disso é ensinado nas escolas.



Madagascar Olodom




O olodum, bem como outras bandas de samba reggae do início dos anos 80, trazia em muitas de suas músicas a história da África, do Oriente médio, e do Brasil Colônia, bem como críticas sociais. 
A música "Madagascar olodum" é uma das músicas mais surpreenentes sobre fatos históricos, pois ao mesmo tempo que conta, em ordem não cronológica, a história das diversas civilizações que deram origem a população da ilha de Madagascar, na África, bem como dos reis que sobre ela dominaram, também faz uma critica um tanto velada a escravidão "justificada", e ao aparthied, regime que separava negros e brancos na África do sul. São tantos detalhes nessa letra, que vamos nos concentrar nos principais:

"Criaram-se varios reinados": Essa simples frase já diz muito. Diferente de ser uma terra de bárbaros, como às vezes se ensina nas aulas de história ocidentais, Madagáscar era uma terra de reinos, subdividida em grupos geopolíticos, como por exemplo, os Merinas, que dominaram a Ilha por 103 anos. Um rei dos Merinas, Rambosalona, acreditava ser filho dos deuses, e capaz de transmitir para sua descendência  essa virtude. Assim, era o tal "vetor saudável".

"A rainha Ranavalona",  começou seu reinado em 1810, e governou com mão de ferro sobre Madagáscar. Tida como tirana, quis defender os costumes mitológicos do seu país, e por isso perseguiu e tentou expulsar os missionários cristãos da Ilha. Executou muitos desses e outros inimigos.  Mandou envenenar seu marido, e assim passou a ser "soberana da sociedade". Reinou por 33 anos.

"Rei Radama... levava seu Reino a bailar". Filho de Ranavalona, teve um reinado oposto a tirania de sua mãe. Permitia a liberdade de cultos, o comércio estrangeiro, instituiu um parlamento ( inedito, entre os psíses africanos), pôs fim ao escambo ao criar uma moeda nacional, e concedeu perdão a muitos que estavam presos injustamente pela perseguição do reinado anterior. Realmente levou o povo, 'seu Reino, a bailar'.

"Bantos, indonésios, árabes integram a cultura malgaxe". Os indonésios foram os primeiros a habitar a Ilha, dando origem a população malgaxe, como os habitantes de Madagáscar eram chamados, chegando nela cerca de 300 anos antes de cristo. Também vieram os bantos, da África continental, e os árabes. Essa mistura de gente se assemelha com a "raça varonil" que deu origem a população do Brasil. 

Mas, apesar de toda essa história, por fim os vazimbas (Como eram chamados os primeiros habitantes da Ilha, e que, na música, representam todos os nativos de Madagáscar), "foram vencidos pela invenção". Os europeus há muito lidavam com o metal, e dele forjavam suas armas de matança. Essa "invenção" do metal fez com que, por fim, os europeus subjugassem os nativos de Madagáscar, cujas ferramentas eram basicamente de barro recosido.

"Yê, Sakalavas ona  ê". Os Sakalavas, mencionados na música, são uma grande etnia que esteve em guerra com os Merinas durante muito tempo, e que dominaram sobre Madagáscar por certo período.  "Sakalavas ona  ê", significa, com possíveis variações, o jeito (a maneira, o modo de fazer) dos sakalavas.

Depois de contar em uma música com letra curta uma história secular, o compositor se volta aos problemas da sua época, e faz referência ao apartheid, contra o qual faz protestos, e evoca igualdade entre os povos. 
Então,  essa música parece querer mostrar que não é correta a versão europeia de que a áfrica era habitada por povos bárbaros, sem leis, que foram escravizados, e "civilizados". Os colonizadores destruíram ricas culturas e reinos milenares, como se percebe em Madagáscar. Grande composição daquela que talvez tenha sido a melhor fase do olodum.



Sunday bloody  sunday - U2





Essa música foi lançada em 1983 pela banda Irlandesa U2, e narra os eventos ocorridos no país deles, a Irlanda, em 1972.  
A Irlanda, um país católico, era dominado pela Inglaterra, um país protestante, e esse fato gerava constantes manifestações por direitos civis, bem como conflitos, entre eles. No domingo, 30 de Janeiro de 1972, na cidade de Derry, na Irlanda, houve uma manifestação que foi reprimida com violência pelo exército britânico. Os militares atiraram contra os manifestantes nessa passeata, atingido 26 civis, o que resoltou na morte de 14 deles. Outros foram atropelados por veículos militares. Todos os manifestantes estavam desarmados, e alguns eram menores de idade. Esse evento ficou conhecido como "domingo sangrento".
Criados sobre a sombra desse conflito, o U2 tornou-se um grupo com fortes composições políticas. Nessa música, a banda descreve os horrores daquele dia, do ponto de vista de um observador, que assiste o massacre de inocentes, jovens muitos deles, em uma guerra Civil sem sentido.





Revolta olodum



Essa música narra algumas das revoltas que ocorreram  no Nordeste, desde o Brasil Colônia até a o período da Nova República.  A música começa por mencionar as populações que participaram de muitas dessas manifestações, e que compõem a população do nordeste, até os nossos dias. 
"Retirante, ruralista, lavrador", além dos "mandingas" (negros muçulmanos que foram trazidos ao Brasil durante a escravidão), são alguns dos grupos envolvidos nas revoltas nordestinas ao longo da história.
Ela menciona desde as revoltas dos Malês, a guerra de canudos, o quilombo dos palmares,  a revolução balaiada, a revolta dos búzios (conjuração baiana) e o cangaço. Essa música é um passeio 
 pelo "arerê" que sempre foi a região nordeste.  Arerê, em bom baianês, significa confusão. 

Essas são algumas músicas que contam fatos históricos.  Breve, a parte três.

sábado, 9 de maio de 2020

Folk - a moderna música folclórica mundial


Certos estilos musicais são fáceis de se identificar, por possuírem elementos específicos que os definem. Forró, Samba, Rock, são exemplos disso. Já outros estilos trazem uma complexidade maior para se fazer essa identificação, justamente pela falta de tais elementos específicos.  São estilo musicais de variadas possibilidades e execuções. Um bom exemplo disso é a MPB. Outro, é o estilo musical sobre o qual falaremos hoje: O estilo FOLK. Vamos ouvi-lo?





                                     


Muito do que hoje chamamos de FOLK é,  na verdade, mas bem definido por expressões tais como folk contemporâneo, ou world music, e se refere a uma variedade de expressões musicais, não exatamente iguais, mas que compartilham muitas semelhanças.  E é essa variedade torna difícil defini-lo de maneira simples. Vamos apelidar o FOLK  de "MPB dos gringos" (licença poética). Pois, é como a MPB: fácil de reconhecer, difícil de definir.

ORIGEM

A expressão folk, vem do inglês folk-lore (conhecimento do povo), e refere-se a tudo que foi transmitido de maneira oral, de geração para geração, incluíndo as músicas. Assim, a música folk se inicia como sendo a música com raízes na CULTURA de determinados países, como os Estados unidos. Tanto entre os escravos, quanto outras partes da população, a cultura musical se difundia com essa transmissão de conhecimento ancestral. Era comum se cantar nas senzalas, por exemplo. Antes, e no início  século XX, portanto, antes de as gravadoras se popularizarem, essas músicas tradicionais eram tocadas  no banjo e no violão.



Esse é o banjo.

A medida que o tempo passava, esse jeito de cantar, os costumes locais permanecia na sabedoria popular. Quando as gravadoras surgiram, muito do que era gravado poderia ser classificado como folk. Pois embora tivesse uma semelhança com o country, tinha suas particularidades, portanto não poderia ser classificado como country

Abaixo, Peter Seeger, que fez sucesso na sua época, cantando e tocando banjo




Paul Campbell  - Grande compositor. OU UMA FRAUDE?

Como dito, a música Folk veio das manifestações folclóricas, especialmente nos Estados Unidos, e Inglaterra.  Porém, logo no início, surgiu um problema: se um cantor lança uma música, do cancioneiro popular, sem um autor conhecido, outros cantores, ou outras gravadoras, poderiam regravar sem pagar direitos autorais. A solução?  Paul Campbell. Quem era ele?

Não era uma pessoa, mas um personagem fictício,  inventado por gravadoras para registrar músicas folk "sem dono". Esse registro impediria que a música fosse regravada sem que a gravadora original recebesse os créditos. E isso gerou uma grande confusão. A música Wimmoueh, ou the Lion sleep tonight  (quem assistiu o rei Leão, conhece ela), foi atribuída a Paul Campbell , pois a gravadora achava que se tratava de uma música folclórica. Porém, essa música foi composta e gravada décadas antes, na África. Isso gerou um dos maiores processos por direitos autorais da histiria da música Folk, envolvendo, entre outros, a Disney. 


Folk contemporâneo 

A partir da década de 60, surgiram variações (e gravações) do que seria o folk semelhante ao de hoje.  Chamado de Folk Revival, ou Folk contemporâneo, essa evolução é  a base da música Folk que conhecemos hoje. Artistas como Bob Dylan,  Joan Braz, e tantos outros deram fôlego ( e popularidade) a esse estilo.







O Folk ajudou a popularizar o violão de 12 cordas. Também ajudou o violão a permanecer como importante instrumento nas gravações, visto que em outros estilos, ele foi substituído quase que totalmente pela guitarra elétrica.

Hoje, muitas músicas que não se enquadram em uma definição popular de um estilo conhecido (por exemplo, não são nem rock, nem pop, pop rock, clássica, etc), e  que tem mais semelhanças com as músicas tradicionais, e regionais,  que usam como base violões na sua composição ou execução, são classificadas como Folk, ou como algum dos seus subgêneros.